sábado, 24 de novembro de 2018

Um raio de sol


Dona Lucilia me influenciou profundamente. E é legítimo que tenha sido assim. Era uma mãe católica, com um filho católico, a influência era natural, estava na ordem das coisas, e foi profundíssima, mas profundíssima. Esta influência eu também a quis. Quer dizer, eu a conheci, eu a analisei, eu a pus à prova várias vezes e achei que era o caso de assumir inteiramente o espírito dela. Eu via nesse espírito dela um raio do sol que é a Igreja Católica.
Plinio Corrêa de Oliveira

sábado, 20 de outubro de 2018

O olhar de Dona Lucilia


Dona Lucilia me ensinou a amar o mistério. Seu olhar era povoado de imponderáveis. Ela exprimia esses imponderáveis até involuntariamente pela fisionomia e pelos olhares. Era o modo dela ser. Seu olhar era: luminoso, profundo, sereno, honesto, inocente, extraordinário, despretensioso. Ela mesma não tinha ideia de que possuía essas qualidades.
Às vezes eu chegava tarde em casa e a encontrava rezando junto ao Sagrado Coração de Jesus. Noite fria. Não estava lá movida por um espírito ascético duro, era tudo amor ── que a fazia não sentir o frio, e quando já era tarde! Eu a via e ela parecia um fumo de incenso que subia ao Céu. Quando ela ia se deitar, saía da sala, parece que os anjos ali ficavam. Então ela ia se aprontar para dormir, tudo feito sem meticulosidade tonta, mas com uma tranquilidade... 
Plinio Corrêa de Oliveira

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Estado de espírito de Dona Lucilia em relação a Deus


Mas eu tenho visto gente que é protuberantemente o contrário disso, e em quem percebo laivos de atitudes deste gênero: “Eu peço a Deus, mas Ele, lá nas coisas d’Ele, a mim não atende. Atende a todo mundo, mas não a mim. Ele comigo faz o contrário do que eu queria que acontecesse.”
Não era esse, absolutamente, o estado de espírito de Dona Lucilia. Esse estado de espírito de um terceiro em relação a Deus, que cobra, invectiva, alega direitos, não está naquela fotografia, em nada!
Mais ainda: no fundo, essa paz que vemos no Quadrinho, sob o qual se poderia escrever a frase: Ite vita est, é como quem diz: “Eu fiz a vontade d’Ele até o último elemento, bebi todo o cálice de fel, até a última gota. Mas está bebido, e agora chegou minha hora de ajudar os outros.”
Sem dúvida, uma das coisas mais tocantes para mim naquela fotografia, em que mamãe tem cerca de 50 anos, é essa resignação dela no meio da dor. Vê-se que ela não entende e há qualquer coisa de uma pergunta ansiosa: “Como será, por que será?”, mas sem o menor laivo de revolta, de inconformidade, nem nada. É como alguém que adora o mistério do sofrimento que está tendo.
Isso partia de uma ideia altíssima que mamãe tinha de Deus.
Aliás, uma coisa curiosa: ela nos ensinou o Pai-Nosso de um modo um pouquinho diferente da fórmula corrente. Não sei se no tempo dela se tinha introduzido, talvez no hábito brasileiro ou pelo menos de Pirassununga, um acréscimo que era: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje, Senhor...” Este “Senhor” não está na oração dominical. Durante algum tempo eu rezei o Pai-Nosso assim. Depois, por conformidade com a Igreja, suprimi o “Senhor”. Mas a minha alma se regozijava de poder dizer este “Senhor”. O “Senhor” calha ali com uma precisão, no ritmo da oração, muito bem. Suprimi, porque a Igreja ensina de um modo diferente. Quando mamãe rezava alto, conosco, nas Sextas-feiras Santas, não saía o “Senhor”. Eu acho que ela, em certo momento, se deu conta também e suprimiu.

Mas era a ideia do Dominus cheio de bondade, de misericórdia, de carinho, que estava no espírito dela. Ela tinha muito isso, mas muito!

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A vida consiste em cumprir os desígnios de Deus

 Um corolário saudável disso é a ideia preconcebida e preestabelecida de que Deus, Nossa Senhora têm o direito de nos tratar — se pudéssemos nos exprimir assim, sem blasfêmia — do modo mais “despótico” que se possa imaginar, permitindo que nos aconteçam as coisas aparentemente mais irracionais, mais arbitrárias e mais pungentes. Isso é inteiramente natural, porque corresponde a essa desproporção. Portanto, não temos que reclamar, nem estranhar, nem alegar direitos, nem nada disso.

Um aspecto que me impressionava em mamãe era notar como se davam os acontecimentos mais imprevistos e, debaixo de certo ponto de vista, mais ilógicos, e ela os tomava como se fossem a coisa mais natural do mundo.
Mamãe não tinha direitos a alegar perante Deus. Ele era Senhor dela, como de todas as criaturas, podendo fazer o que bem entendesse. Ela sabia que isso correspondia a desígnios de misericórdia d’Ele. Mas existe aquele mistério: Nosso Senhor Jesus Cristo pediu para se afastar o cálice d’Ele “se possível”. Ora, para Deus tudo é possível! É um mistério, porque Deus quis que o holocausto fosse até lá. E da parte do Divino Redentor, a plena submissão, como quem dissesse: “Diante de vossos desígnios absolutos, de vossos direitos, de vossa sabedoria Eu Me dobro. Dai-Me apenas forças.” Isso eu notava em Dona Lucilia muitíssimo.
Ela rezava com muito afeto, e sua devoção ao Sagrado Coração de Jesus, a Nossa Senhora, era muito impregnada de ternura. Mas ela rezava com muito empenho quando queria obter as coisas. Entretanto se não as obtivesse, era com uma naturalidade, uma paz de alma, a maior do mundo!

Naquela fotografia em que mamãe tem aproximadamente 50 anos de idade, ela está cheia disso. Encontra-se na voragem da dor, mas não pergunta a Deus por quê. É assim e deve ser assim. Há um desígnio de Deus e a vida consiste em cumprir os desígnios de Deus. E, portanto, se é assim não se discute. O que é uma posição fundamentalmente anti-igualitária.
Plinio Corrêa de Oliveira – Extraído de conferência de 6/7/1985

sexta-feira, 10 de junho de 2016

A devoção de toda uma vida

Desde os saudosos tempos de Pirassununga, Dª Lucilia conservou especial gosto em rezar diante de uma imagem da Imaculada Conceição, pertencente à família. Nunca se separou dela, mantendo-a em seu quarto, nas sucessivas casas em que residiu após o falecimento de sua mãe. Uma razão a mais para isso era de ter sido essa imagem  objeto  de  particular  devoção de Dª Gabriela.
Piedade aliada ao senso artístico
Esculpida  em  madeira,  fora  trazida de Portugal em meados do século XIX, deixando transparecer ao  mesmo tempo a autêntica piedade e o senso artístico do escultor. A fim de a expor mais  dignamente à veneração de todos, Dr. Antônio decidiu colocá-la  num oratório apropriado.E lá mesmo em Pirassununga encomendou o serviço a um marceneiro que trabalhava junto com a irmã. Pormenor curioso, ambos surdos-mudos, mas, em  compensação,  dotados por Deus de uma extraordinária arte de entalhar a madeira, a  tal ponto que fabricavam móveis de  estilo à altura de figurar nos melhores salões.

Não deixava de ser singular como pessoas tão simples, sem maior cultura  nem  contato  com  os  grandes  centros  urbanos,  tinham  tanto senso artístico. Disso era exemplo o singelo oratório . Anos depois, um antiquário oferecerá significativa quantia por ele. Porém, para Dª Lucilia, não tinha preço um objeto que seu saudoso pai mandara fazer e ao qual estavam ligadas tantas recordações.
Continua...

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

A razão de tanta benquerença

Permanentemente meditativa e com o espírito posto na contemplação do Sagrado Coração de Jesus, Dona Lucilia irradiava em torno de si uma discreta doçura, característica à sua personalidade.
No contato contínuo, de um filho com sua mãe, Plinio Correa de Oliveira sentia em Dona Lucilia algo da doçura de espírito própria a uma alma elevada em altas cogitações:
Não era apenas a doçura de uma pessoa com bom gênio, bom humor, que trata as pessoas bem. Era também isso, mas penetrado por um raio de luz que tornava a bondade dela à maneira da bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Eu percebia perfeitamente que isso era dado por Ele a ela. Era como se tirasse um raio do Sol e com ele dardejasse uma alma; a alma não ficaria com todos os raios do Sol, mas ela ficava cheia daquele raio que ela recebeu.
Assim, mamãe não tinha, nem de longe, todas as virtudes de Nosso Senhor Jesus Cristo — a não ser no grau que um bom católico praticante possa ter —, mas em torno dela havia uma presença de elevação, de tristeza, de bondade, de perdão sem limite, de soledade que a assemelhava a Ele.
Uma soledade cheia de presença
Existia em torno dela uma soledade que não era o vazio; ela não produzia em torno de si o vácuo. A soledade de Dona Lucilia era saturada, impregnada pela irradiação de sua bondade.
Por exemplo, ao vê-la sozinha na cadeira de rodas, na sala de jantar, sentia-se que, embora estivesse fisicamente só, ela enchia a sala de jantar e a casa inteira. Aliás, até hoje a casa de Dona Lucilia tem algo da presença dela.
Confirmação tangível de como era Nosso Senhor Jesus Cristo
Conhecendo-a, eu tinha uma espécie de confirmação tangível de como era Nosso Senhor Jesus Cristo. Vendo que Ele era infinitamente maior, porém semelhante, eu tinha uma espécie de confirmação na Fé. Quer dizer, se à força de rezar ao Sagrado Coração de Jesus mamãe ficou com algo disso, Ele é ainda muito mais. Olhando para as imagens d’Ele, mais de uma vez eu me lembrava dela; e olhando para ela, mais de uma vez eu me lembrava d’Ele.
A razão principal de minha benquerença por ela — eu a queria imensissimamente bem — era por ver nela uma discípula de Nosso Senhor Jesus Cristo. No fundo, era um querer bem a Ele, nela.
É preciso compreender o seguinte: eu nunca notei nela o menor desejo de imitá-Lo fisicamente, o que, aliás, seria inteiramente insuportável, intolerável! Minha amizade, meu afeto por ela se partiriam em estilhaços se eu notasse uma coisa assim. Não era isso.
Era propriamente o que a Doutrina Católica nos ensina de uma alma boa, reta e muito sobrenatural, que recebia esse embebimento d’Ele.
Grande sentimento de apoio
Isso me animou a vida inteira, deu-me alegria nos maiores reveses e aborrecimentos. Era um lado de minha vida, por assim dizer, um jardim de minha vida, em que nunca penetrou o oposto, dando-me um sentimento de apoio muito grande.

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 15/4/1989

sábado, 6 de junho de 2015

Jesus sofredor, modelo de serenidade seguido por Dona Lucilia

Dona Lucilia via o sofrimento com  inteira serenidade, sabendo que tudo acontece por uma razão mais alta que está em Deus. Vejamos o que comenta seu filho, Plinio Correa de Oliveira, a este respeito.
Para  conservar  a  serenidade,  creio que concorriam as Vias Sacras  que Dona Lucilia rezava na Igreja do Sagrado  Coração de Jesus, diante de estações  não muito artísticas, porém sérias e  piedosas. Em cada uma das estações  está representado um sofrimento de  Cristo durante sua Paixão. Em todos  eles,  Nosso  Senhor  é  apresentado  com uma enorme serenidade e tranquilidade, por mais que sejam enormes seus sofrimentos. Ele sofre, sabendo que tem de sofrer, e por isso não toma aquilo como sendo algo  extraordinário e inconcebível.
Contudo, foram tais os sofrimentos de Nosso Senhor, que nós não podemos sequer imaginá-los. Tomemos,  por exemplo, o estudo realizado por  um médico francês, Dr. Pierre Barbet,  sobre o Santo Sudário de Turin. 
Um  dos  pontos  analisados  pelo  afamado  cirurgião  foi  a  posição  de  Cristo na cruz. Um prego Lhe atravessava — de uma só vez — os dois  pés; outros dois, um em cada punho,  prendiam-n’O à Cruz. Caso Ele quisesse apoiar-se mais nos pés do que  nos  braços,  para  assim  aliviar  um  pouco a dor, seus pés seriam rasgados; por outro lado, se Cristo tentasse  aliviar a dor de seus pés, sustentando  o corpo unicamente com os braços,  seus pulsos seriam rasgados. 
Em meio a todas estas dores, Ele  permanece calmo, analisando os dois  ladrões  crucificados  a  seu  lado.  De  repente, um começa a blasfemar; o  outro, vendo-O se converte e começa  a defendê-l’O. E Nosso Senhor promete-lhe: “Em verdade te digo: hoje  estarás comigo no paraíso.”2
Donde vemos que, apesar de todos os padecimentos que Lhe eram  impostos,  Cristo  mantinha  a  certeza de que aquilo iria terminar, e sua  missão seria cumprida.
Olhar sereno que infundia serenidade
Assim era a serenidade de Nosso Senhor neste terrível passo da Paixão. Frei Pedro de Cristo, ao compor uma canção que diz “Ojos claros serenos, si pues morís por mi, miradme al menos — olhos claros serenos, se  morreis por mim, olhai-me pelo menos”, acertou enormemente. Pois, de fato, se Aquele que, em meio a tantos sofrimentos, conservou tal serenidade,  pousasse  o  olhar  sobre  alguém, isto bastava para infundir-lhe  a mesma paz.
Mamãe, que tantas vezes vi diante da imagem do Sagrado Coração de Jesus, olhando-O durante longas horas, talvez tenha recebido d’Ele um olhar,  que bem pode ter sido a causa de haver nela tanta serenidade. Algo semelhante  dava-se  com  Dona  Lucilia:  quem se aproximava dela recebia algo  desta serenidade que, em última análise, vinha de Cristo Nosso Senhor.

Plinio Correa de Oliveira – Extraído de conferência de 11/03/1995