segunda-feira, 5 de novembro de 2012

“Viver é estar juntos, olhar-se e querer-se bem”

Ao júbilo de Dona Lucilia pelo feliz regresso de Dr. Plinio da sua viagem à Europa no ano de 1950, somou-se, no início do mês de julho, como previsto, a alegria do casamento de sua neta Maria Alice, cujas festividades ficaram naturalmente a cargo de Dona Rosée. Ela tudo dispôs com seu requintado bom gosto.
Terminadas as comemorações nupciais e tendo partido os noivos para a lua-de-mel, Dona Lucilia, dada sua idade avançada, sentiu necessidade de algum repouso. Agora, ao menos, ela poderia reconfortar-se com a presença de seu filho, que tanto tinha para lhe contar de quanto vira na velha Europa: as maravilhas da França, os esplendores de Roma, as glórias da Espanha, os encantos de Portugal.
Nova separação
Porém, a companhia dele não duraria muito tempo. Passados dois meses, um amigo de outro estado do Brasil propôs-lhe realizar ali um trabalho que, segundo julgava, poderia beneficiar a Causa Católica.
Dr. Plinio, apesar de ver poucas possibilidades de êxito no empreendimento, aceitou a proposta por amizade à pessoa que o convidava. Essas novas atividades exigiam dele a permanência por algum tempo no próprio local, e assim, em setembro, para lá partiu.
Levantava-se para Dona Lucilia um novo dilema: por um lado desejava que seu filho obtivesse bom resultado, e nessa intenção rezava com ardor, mas, por outro, um eventual sucesso dele implicaria uma inevitável e mais prolongada separação.
Apesar de tudo, estava disposta a qualquer sacrifício em favor das exigências do apostolado. Numa carta enviada a Dr. Plinio, destacam-se palavras de conselho, perfumadas de sabedoria, nas quais o sentimento cede lugar à razão:
São Paulo, 28-IX-950
Filho querido!
Fui hoje à igreja de Stº Antonio, onde comunguei e rezei muito por ti para que sejas muito feliz (...), e possas estar logo de volta.
Como a nossa casa fica insonsa e feia sem você! Mas tambem, quando você vem, entra a primavera!
Rosée tem vindo com frequencia, e hontem, em “vol d’oiseau”, esteve Maria Alice.
Penso que você e [seu amigo] devem estar bem cansados com este trabalho (...), e por isso, é conveniente que [ele] venha com você para descansar um pouco.
O comício do Brigadeiro foi muito concorrido, e houve grande enthusiasmo, e muita linha.
Guardei o seu discurso, para você ler, caso não o tenha podido fazer. Fala com muita sobriedade, com nobreza, pois não ataca pessoa alguma, mesmo os seus adversarios. Estou bem impressionada, e com desejo de que ele seja eleito.
Pretendo, terminando esta, ir a um cinema, para contar depois a história para o meu queridão.
Por maiores que sejam as minhas saudades, aconselho-te a que não voltes antes de saber o resultado [do trabalho] ahi, pois de outro modo, pode parecer pouco caso. Quando se faz qualquer cousa, faz-se bem feito, e até o fim. Paciencia, paciencia querido!
Recomenda-me afectuosamente a [teu amigo].
Bem, querido, por hoje chega de prosa.
Com minhas bençans, envio-te muitos beijos e abraços.
De tua mãe extremósa,
Lucilia
P.S. Zili acaba de dizer-me pelo telephone, que D. Didita perdeu a mãe hoje á tarde, e que iria passar lá a noite, e que o enterro será amanhã ás nove horas. Pretendo ir lá amanhã, ás oito horas. Aviso-te, para que lhe mandes um telegramma.
Conforme Dr. Plinio receava, o campo não fora bem preparado de modo a alcançar êxito, e por isso resolveu, para gáudio de Dona Lucilia, retornar logo a São Paulo.

Viver, é estar juntos... Concepção ¨luciliana¨ da vida


Ainda antes de ele dar a conhecer a sua mãe o desfecho de seu empreendimento, esteve em sua casa o amigo que o convidara. Este, conversando com Dona Lucilia, disse-lhe gracejando ter tudo corrido bem. Julgava, com isso, causar-lhe grande satisfação. O visitante obteve como resposta apenas uma reserva polida, sem entusiasmo.
Dr. Plinio notou a reação de Dona Lucilia e, estando com ela a sós, durante uma prosinha, filialmente perguntou:
– Mãezinha, a senhora acreditou quando ele contou aquilo?
Ela respondeu:
– Sim.
– Surpreende-me que a senhora não tenha manifestado a menor alegria...
Ela então disse:
– Bem, você compreende que se tivesse obtido bom resultado em seus trabalhos, isso o obrigaria a se mudar para longe de casa e vir pouco aqui. E o convívio entre nós diminuiria muito! Para mim isso seria um grande sofrimento. Meu filho, viver é estar juntos, olhar-se e querer-se bem...
“Viver é estar juntos, olhar-se e querer-se bem...” A bela e luminosa frase superiormente exprime o que poderíamos chamar de concepção “luciliana” da vida!
O filme da coroação da Rainha Elisabeth II
Num domingo de março de 1952, uma das irmãs de Dona Lucilia e seu esposo foram jantar em casa dela. Terminada a refeição, Dr. Plinio convidou todos os presentes a irem com ele assistir ao filme da coroação da Rainha Elizabeth II, que estava sendo exibido num cinema da Praça da República, naquele tempo de ambiente ainda familiar.
Dona Lucilia ficou em especial agradada com o convite, não só por ser Dr. Plinio que lho fazia, mas também por ter ocasião de apreciar mais uma vez os costumes, modos de ser e de trajar ingleses.
Ao longo da projeção ela acompanhou atenta e maravilhada todas aquelas cenas ricas em simbolismo e bom gosto.
Terminado o filme, imagens deslumbrantes ficaram povoando a cabeça de todos durante algum tempo, a ponto de, ao sair do cinema, caminharem em silêncio, sem fazer nenhuma apreciação. No fundo, tudo aquilo clamava contra a vulgaridade da vida moderna, sem brilho nem glória.
Dona Lucilia, com a alma posta naqueles esplendores, teria em breve o que ela reputava o melhor do filme: a rememoração e os comentários feitos por seu filho, quando à noite se sentassem para a costumeira “prosinha”.
Essencialmente contemplativa, recordaria ela com saudades cheias de enlevo, até o fim de seus dias, aquela cerimônia de coroação que o desvelo de seu filho lhe havia proporcionado ver.
“Minha casa eram os olhos dela”
Além da esmerada prática diária dos atos de piedade, Dona Lucilia — empenhada em enriquecer ainda mais sua vida interior — entretinha-se na elevada consideração dos esplendores da Civilização Cristã. Seu espírito contemplativo era muito favorecido pelo amor à estabilidade, que agora as próprias circunstâncias de uma avançada idade tornavam propícia.
Uma das principais alegrias do dia-a-dia, consistia para ela na admiração das maravilhas criadas por Deus, de modo especial a diversidade e o valor cultural — muito mais do que o material — das almas e dos povos.
Dr. Plinio, que dela aprendera o gosto pela estabilidade, via-se na contingência de viajar muito, contudo, mantinha em São Paulo um ponto especial de referência: o olhar de sua bondosa mãe.
Nada o atraía mais. Por isso, ao retornar da rua, sua primeira preocupação era vê-la e sentir seu afeto, o que o levaria a afirmar em certa ocasião: “Minha casa eram os olhos dela, ali eu morava.”
“Minha mãe é muito melhor que a sua!”
Dr. Plinio não perdia ocasião para retribuir o afeto de sua mãe. Isto compensava, de alguma forma, as ausências impostas por suas obrigações, e sobretudo a aliviava do isolamento.
Muitas vezes externava este reconhecimento por amenos gracejos; o invólucro de um dito espirituoso dava maior alcance aos seus filiais sentimentos. Certa vez, estando Dona Lucilia ao lado do “filhão” em agradável conversa, ele lhe perguntou, referindo-se a um quadro de Dona Gabriela:
— Mamãe, quem é aquela senhora que está naquele quadro?
Dona Lucilia, estranhando a pergunta, respondeu num tom de voz que denotava ligeira surpresa:
— Meu filho... aquela é mamãe...
— Pois, olhe, minha mãe é muito melhor que a sua!
Dona Lucilia, um pouco desconcertada diante de um elogio que a colocava acima de sua própria mãe, a quem muito admirava, não tendo o que responder, tocando com a ponta dos dedos suavemente na mão de Dr. Plinio, como era seu hábito, apenas lhe disse:
— Ora!... meu filho, meu filho...
Quando muito elogiada por ele, Dona Lucilia alegava serem exagerados seus ditos, por não merecer tanto. Ele brincava então, e lhe chamava “Madame Merece Mais”, não permitindo que ela vencesse a carinhosa disputa. Dava-lhe a entender desse modo o quanto seus louvores ficavam sempre aquém da realidade.
“Não te derretas...”
Um dia ele lhe perguntou com uma pontinha de afetuosa ironia: “Mamãe, eu sou o filho que a senhora esperava?” Sem aguardar resposta, continuou: “De fato, a senhora gostaria que eu fosse um advogado brilhante, com barba longa...” Era o tipo humano do homem bem apessoado do tempo do pai dela, Dr. Antônio. “Pois bem — concluiu ele — a senhora acabou tendo um filho polemista!”
 Na intimidade, Dr. Plinio não poupava elogios nem manifestações de carinho a sua mãe, deixando-a por vezes enternecida. Era nessas ocasiões que, imitando sotaque português, Dr. João Paulo dizia a ela, gracejando:
— Não te derretas!...
(Transcrito, com adaptações, da obra “Dona Lucilia”de João S. Clá Dias)

Nenhum comentário:

Postar um comentário